sexta-feira, agosto 20, 2010

Perdão - parte 2/2

Vamos,‭ ‬agora,‭ ‬a um dos melhores exemplos bíblicos:‭ ‬o de José,‭ ‬no Egito‭; ‬José,‭ ‬um dos tipos de Cristo‭ ‬no‭ ‬Antigo Testamento.
Aos‭ ‬17‭ ‬anos foi terrivelmente ofendido por seus irmãos,‭ ‬que o venderam a mercadores ismaelitas.‭ ‬Durante cerca de‭ ‬20‭ ‬anos José passou por toda sorte de sofrimentos em decorrência daquela traição.‭ ‬E agora,‭ ‬pela segunda vez frente a eles,‭ ‬dá-se a conhecer:‭ “‬Eu sou José,‭ ‬vosso irmão,‭ ‬a quem vendestes‭ ‬para o Egito‭”; ‬logo repete:‭ “‬não vos entristeçais nem‭ ‬vos pese aos vossos olhos por‭ ‬me haverdes vendido‭ ‬para cá”‭ ‬-‭ ‬Gn‭ ‬45.4-5.‭ ‬Muito tempo depois,‭ ‬seus‭ ‬irmãos mandaram dizer-lhe que Jacó,‭ ‬antes de morrer,‭ ‬pedia a José que os perdoasse.‭ ‬José lhes diz,‭ ‬então:‭ “‬porventura estou eu em lugar de Deus‭? ‬Na verdade‭ ‬vós bem intentastes mal contra mim,‭ ‬mas Deus o tornou‭ ‬em‭ ‬bem‭”‬.‭ ‬Por‭ ‬que‭ ‬José relembrou a seus irmãos,‭ ‬por três vezes,‭ ‬o fato tão vil de tantos anos atrás‭? ‬Não tinha ele misericórdia‭ ‬para perdoar‭? ‬Tinha‭ ‬sim,‭ ‬mas‭ ‬ele‭ ‬não‭ ‬vira sinais de arrependimento neles e,‭ ‬portanto,‭ ‬não havia condições‭ ‬para‭ ‬perdoá-los.‭ ‬Por isso‭ ‬não‭ ‬podia‭ ‬esquecer e era seu dever repreendê-los,‭ ‬mexer na consciência dos irmãos.‭ ‬Jamais,‭ ‬porém,‭ ‬exerceu vingança contra eles‭; ‬ao contrário,‭ ‬protegeu-os,‭ ‬amou-os.‭ ‬Nesse‭ ‬sentido,‭ ‬só,‭ ‬já‭ ‬os‭ ‬havia‭ ‬perdoado.
O perdão ensinado por Deus não é um perdão poético,‭ ‬romântico,‭ ‬formal,‭ ‬de aparências.‭ ‬É perdão consciente,‭ ‬sincero,‭ ‬voluntário,‭ ‬e também inteligente.‭ ‬A repreensão ao ofensor‭ ‬-‭ ‬Lv‭ ‬19.17;‭ ‬Lc‭ ‬17.3;‭ ‬Mt‭ ‬18.15‭ ‬e outros textos,‭ ‬é para o bem do ofensor,‭ ‬para levá-lo ao arrependimento.‭ ‬Depois do arrependimento é que pode vir o perdão.‭ ‬Isso é tanto no perdão de Deus‭ ‬como‭ ‬no‭ ‬nosso‭ ‬perdão.
Cristo amava profundamente,‭ ‬mas não agia por sentimentalismo,‭ ‬nem pede que sejamos sentimentalistas.‭ ‬Cristo amou a‭ ‬todos e por todos intercedeu,‭ ‬mas nem por isso perdoou a todos,‭ ‬mas apenas aos que se arrependeram.‭ ‬Estêvão,‭ ‬da mesma forma,‭ ‬intercedeu por seus inimigos,‭ ‬mas não minimizou sua falta‭ ‬- “não lhes imputes‭ ‬este pecado‭”‬.‭ ‬José foi uma das mais extraordinárias e‭ ‬santas‭ ‬figuras‭ ‬das‭ ‬Escrituras,‭ ‬mas‭ ‬também‭ ‬não minimizou a culpa dos irmãos,‭ ‬e,‭ ‬pelo‭ ‬menos‭ ‬três‭ ‬vezes,‭ ‬tentou‭ ‬sacudir‭ ‬suas‭ ‬consciências.
O conceito poético e sentimental de perdão não é bíblico,‭ ‬e é nocivo.‭ ‬Cristãos há que mentem,‭ ‬ofendem,‭ ‬pecam contra um irmão,‭ ‬e simplesmente pensam que o irmão tem obrigação de perdoá-los,‭ ‬embora‭ ‬não tenham dado demonstrações‭ ‬de‭ ‬estarem arrependidos.‭ ‬E se o ofendido lembra a ofensa,‭ ‬é taxado de possuir um‭ “‬coração duro‭”‬,‭ ‬incapaz de perdoar.‭ ‬Pessoas assim são capazes de pedir perdão,‭ ‬até por medo de receberem a vingança,‭ ‬sem estarem arrependidas.‭ ‬Precisam ser ensinadas sobre a‭ ‬necessidade‭ ‬de‭ ‬se‭ ‬arrependerem‭ ‬para terem o direito ao perdão.
O amor‭ ‬não‭ ‬elimina nem anula a justiça.‭ ‬Se fosse assim,‭ ‬Cristo não‭ ‬teria precisado morrer.‭ ‬O perdão de Deus‭ ‬é‭ ‬baseado‭ ‬num ato de justiça:‭ ‬a expiação realizada por Cristo,‭ ‬e é dado somente a quem está arrependido.‭ ‬O perdão de uma pessoa ao seu ofensor,‭ ‬também.‭ ‬Este‭ ‬é o‭ ‬perdão‭ ‬ensinado‭ ‬por‭ ‬Deus‭ ‬nas‭ ‬Escrituras.
Então,‭ ‬podemos agora entender melhor:‭ ‬Estêvão,‭ ‬na realidade,‭ ‬pedia a Deus que estendesse a seus algozes a graça salvadora,‭ ‬levando-os‭ ‬ao arrependimento,‭ ‬pois sem arrependimento‭ ‬não‭ ‬há‭ ‬perdão.
Quando Cristo exclamou na cruz‭ “‬Pai,‭ ‬perdoa-lhes porque não sabem o que fazem‭”‬,‭ ‬estava‭ ‬também‭ ‬pedindo ao Pai que os conduzisse à condição de serem perdoados.‭ ‬Diante da mulher adúltera,‭ ‬Cristo não disse simplesmente‭ “‬Nem Eu também te condeno‭”‬,‭ ‬mas disse também‭ “‬vai-te e não peques mais‭”‬.‭ ‬Era a restauração que Cristo lhe estava estendendo:‭ ‬a graça‭ ‬de‭ ‬não‭ ‬mais‭ ‬voltar‭ ‬ao‭ ‬pecado‭ ‬-‭ ‬o‭ ‬verdadeiro‭ ‬arrependimento.
Também é interessante notar que as Escrituras não nos ensinam a simplesmente pedir perdão.‭ ‬Ensinam-nos‭ ‬a confessar o pecado‭; ‬e confessar é declará-lo com verdadeiro arrependimento:‭ ‬reconhecê-lo,‭ ‬sentir-se envergonhado e triste,‭ ‬e abandoná-lo.‭ ‬Quando não há arrependimento,‭ ‬o pedido de perdão é hipócrita e covarde,‭ ‬é apenas fuga e medo do castigo.‭ ‬Isso é o que aprendemos com a repreensão de João Batista em Mt‭ ‬3.5-8:‭ “‬...raça de víboras,‭ ‬quem vos ensinou a fugir da ira futura‭?‬...‭” ‬Não basta declarar-se faltoso,‭ ‬não basta pedir perdão‭; ‬é necessário estar realmente arrependido,‭ ‬e isso se faz com a mudança de posição e de atitude‭ ‬-‭ ‬produzir o fruto do arrependimento,‭ ‬isto é,‭ ‬uma mudança completa,‭ ‬a‭ “‬metanóia‭”‬,‭ ‬conversão.
Em‭ ‬resumo:‭ ‬Deus‭ ‬nos ensina que temos de ter a mesma disposição que Ele tem,‭ ‬de perdoar ao que está arrependido.‭ ‬Ensina-nos que nunca poderemos nos vingar‭; ‬só a Ele pertence a vingança.‭ ‬Ensina-nos que temos de perdoar inúmeras vezes aquele que diz‭ “‬estou arrependido‭”‬,‭ ‬dando ao ofensor um‭ ‬voto de‭ ‬confiança,‭ ‬pois‭ ‬não somos Deus‭ ‬para conhecer o seu íntimo.‭ “‬Estou‭ ‬eu‭ ‬em‭ ‬lugar‭ ‬de‭ ‬Deus‭?” ‬-‭ ‬Gn‭ ‬50.19.
Como é bom perdoar‭! ‬Tirar de nosso coração algo que nos está magoando,‭ ‬uma ofensa que nos foi feita‭! ‬Como é bom sentir que nosso ofensor se arrependeu realmente e então pode ter o perdão de Deus e o nosso.‭ ‬Muitas vezes não é preciso o ofensor nos dizer alguma coisa,‭ ‬basta‭ ‬sua‭ ‬mudança‭ ‬de‭ ‬atitude,‭ ‬que‭ ‬é a‭ ‬melhor‭ ‬prova‭ ‬de‭ ‬arrependimento.
Perdoar é difícil,‭ ‬muitas vezes,‭ ‬mas a ordem de Cristo é esta:‭ “‬se teu irmão pecar contra ti,‭ ‬vai e repreende-o entre ti e ele só...‭” ‬-‭ ‬Mt‭ ‬18.15-17.‭ ‬Estaremos ajudando,‭ ‬com amor,‭ ‬o irmão a‭ ‬reconciliar-se com Deus‭ ‬-‭ ‬o único que‭ ‬pode‭ ‬perdoar‭ ‬pecados‭ ‬-‭ ‬e estaremos,‭ ‬diante de seu‭ ‬arrependimento,‭ ‬ganhando‭ ‬o‭ ‬irmão‭!

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